MAPA ASTRAL
Música Céu
"Matriz" - Pitty
Gravadora: Deck
Lançado em 26 de abril de 2019 as 00h
Local: São Paulo, Brasil, onde a cantora vive
"Matriz" (dicionário): lugar onde algo é gerado ou criado
"Matriz", quinto álbum de estúdio da carreira da cantora e compositora Pitty, é um olhar de hoje sobre suas origens. Não foi pensado assim, mas foi assim que aconteceu. Também não foi uma viagem superficial, mas sim um mergulho nas ausências, na "não memória", nos esconderijos, no que ficou para trás.
O Ascendente, que revela sempre a natureza de um evento, estava a 8º de Aquário. O Aguadeiro traz a tradição de seu regente Saturno e as novas ideias que os ventos do elemento Ar sopram nos ouvidos. Tão interessado em participar do coletivo como em ter claro para si sua individualidade, Aquário também é a faixa de abertura de "Matriz". Com sampler do baiano Dorival Caymmi (primeira pista sobre a Casa 4), Pitty canta "Eu me domestiquei para fazer parte do jogo/ mas não se engane, maluco, continuo bicho solto". Nada mais aquariano do que se adequar para preservar a liberdade. Sabemos. O Ascendente está nos termos e na face de Vênus, regente da Casa 4, e é visto por ela, que está em Áries, o bicho solto, conjunto Mercúrio. "Loba em pele de dama/ Corpo e mente insana/Tantas palavras na boca/Direta e solta na cama/ Pragmática e rouca /Não mexe com a minha banda /Nada colérica, mas/ Preciso de uma tática". A tática passa pelas palavras, pelos amigos, pelo caminho que o próprio "Matriz" conduz.
Saturno, regente do ascendente, está na Casa 12, jubilado, confortável em esperar todo o disco rodar para ser visto e resignificado. Ele está junto com a Lua e seca qualquer gota de sentimentalismo, nesse mapa sem nenhum planeta nos signos de Água. Saturno vê a Parte da Fortuna em Touro, na Casa 4, a chave do álbum, do que ele se nutre, de onde principia, a começar pelo seu título, "Matriz". Considerado um segundo Ascendente, a Fortuna coloca em pauta os assuntos dessa casa e ascende com ela o Sol, que em tempos de lançamentos a meia-noite no Spotify sempre estará na Casa 4 mas nem sempre junto com a Fortuna. É esse o tema que "Matriz" vem iluminar, a ancestralidade, a infância, a juventude, o chão. Somos hoje porque muitos foram antes de nós e esse é o coelho que sai de dentro da cartola da Fortuna. A Casa 4 a partir da Fortuna é a Casa 7, das parcerias, dos que nos comprometem conosco e com quem nos comprometemos. Pela primeira vez Pitty chama muitos artistas para participarem de um álbum seu. Gente de sua Casa 4, que vive em suas memórias, referências, para frente ou para trás. Também inclui duas músicas que não foram compostas por ela, mas por outros baianos, Teago Oliveira e Peu Sousa. Não havia feito isso antes. O passado nunca é só nosso.
Voltando à Parte da Fortuna, ela está em trígono com Saturno na Casa 12. É com esperança que a Fortuna mexe nas velhas gavetas, nas demos antigas, no violão da adolescência. Saturno é ao mesmo tempo o exílio e o nascimento de "Matriz". "Retirante cultural da seca do meu lugar/ E pra quem nasceu de asa, o pecado é não voar/ Nunca é tarde demais/ Pra voltar pro azul que só tem lá" - canta Pitty em "Bahia Blues" (Pitty), contando porque saiu e porque quis visitar.
"Bahia Blues" também descreve a Salvador de sua geração, citando ruas, lugares, eventos e vizinhanças. "Cresci na Ladeira do Prata/ Andei no campo da pólvora/ Rodei pela Barroquinha/ O bar do pai, a boemia/ A mãe secretária na sapataria/ A reza da escola todo santo dia/ Medalha de santo pra boa menina/ Cantina da lua, lá no terreiro
E a sinergia da Rosário dos Pretos/ Moeda jogada no poço em nazaré/Faz pedido". É uma espécie de Casa 3 do disco, a Casa que trata dos deslocamentos, da vizinhança, da escola, das andanças. É nessa Casa, no signo de Áries, que estão Vênus, almutem do mapa, também narradora dessa história e Mercúrio; decididos, diretos, desbravadores, sinceros e corajosos.
Bom, Mercúrio está em Áries e Marte, regente deste, em Gêmeos, regido por Mercúrio. Mútua recepção, os dois compartilham os briquedos em harmonia, emprestam as roupas, é amor correspondido. Mercúrio é mensageiro, quer trocar com os outros, em Áries suas palavras são armas e amuletos. Marte quer ir à luta, em Gêmeos vai em dupla, em trio, vai no discurso, vai para a rua, vai para se divertir, vai na leveza. "Gente se junta pra fazer revolução/Gente se junta pra falar besteira/Com quem tu andas/Quem é que te estende a mão? /Veja que rua é pra vida inteira/ Se na bandeira resta algum coração/ Quando ele pulsa, ela sangra vermelha" diz o refrão de "A Noite Inteira" (Pitty), com participação do músico e cantor baiano Lazzo Matumbi (mais uma pista da Casa 4), que finaliza com os versos "Respeite a existência ou espere resistência". É o Ascendente em Aquário representado pelos planetas o avistam, enxergam seus percalços, suas raízes, de suas matrizes.
A sempre individualista Vênus em Áries toma o microfone em "Ninguém é de Ninguém" (Pitty/Daniel Weksler) e canta em parceria com o prórpio Marte em Gêmeos, que governa a Casa 5, dos prazeres, dos deleites, das paixões e adora variar os pares: "Não pense que eu te tenho/ E muito menos que você me tem/ É lindo baby, mas você sabe / Que no fundo ninguém é de ninguém". É assim o amor em "Matriz", liberdade ou superação.
Lua em Capricórnio come o pão que Saturno amassou e descreve seu processo de Lua sedenta no deserto. Por quadratura vê de soslaio o ansioso Mercúrio em Áries, de quem se separou há pouco. "Não reconheço mais o meu coração /Mas não que ele se recusasse a bater/ Nem faço questão de lembrar dos seus desacatos /Nem de outras mulheres que vi com você/ Você me sugou e me deixou cansada/ E se esconde em palavras de me querer bem/ E assim, como o tempo/ O motor ao relento / Sinto saudades já não me recordo porquê /Só entendi como tudo acabou /Quando não vi pedaços de mim em você /Hoje eu passo com risos a sua afobação /Como quem já tivesse sempre o que prever /Você me provou que ainda não mudou nada /E quando se olha no espelho é você quem me vê / Vem abrir as feridas, me deixar calada /Venha ver dos meus olhos que hoje estou bem". Deixa claríssimo a Lua na Cabra, que prefere estar só do que mal acompanhada, em "Motor", escrita por Teago Oliveira.
É na Casa 11 do mapa astral de "Matriz" que está Júpiter, o grande benéfico, as crenças, a certeza de que "tudo tudo tudo tudo vai dar pé". É essa a Casa dos grupos, dos amigos. Júpiter em Sagitário está na própria morada, na Casa 11 está jubilado, potente, mais Júpiter do que Júpiter. E talvez justamente a incrível combinação de convidados, aqueles da Casa 4 da Fortuna, todos baianos (Lazzo Matumbi, Larissa Luz, Baiana System, Nancy Viegas) somada a contundência de tudo o que Pitty quer dizer, através das mensagens diretas e da multipla sonoridade do álbum, "Matriz" é um ritual, uma tradição, um toque de tambor para os orixás, como dá a entender o vídeo tiser divulgação (https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=QsRe-vFl8Wc). Com o BaianaSystem eles bradam: "Eu preciso falar dessa nossa verdade que vem do Nordeste", a frase mais repetida no álbum e talvez a mais importante. E "Matriz" é sobre isso, sobre Júpiter, uma verdade que precisa ser dita, uma verdade de outro lugar, de outra região, uma Bahia raramente vista, pois foge de seus "cartões postais".
De lá voltamos para a Casa 12. A Lua em Capricórnio está esgotada da viagem. "Se era pra sangrar, já sangrei /Se era pra perder, já perdi /Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir? /O chicote em minhas mãos/ O chicote em minhas costas/ Rasgando rios, o vergalhão/ Via-crucis autoimposta/ Ninguém me persegue melhor/ Na cabeça, no corpo/ Eu, meu próprio general/ Prazer em te reconhecer, minha inquisição/ Não encontrei ironia pra dizer/ Mea culpa" diz em "Redimir" (Pitty) e é isso mesmo que ela pede a Saturno, de quem vai se distanciando. "E ela que não bebia, bebeu/ E ela que nem rezava, rezou/ Quando o desalento desceu/ Até a razão suplicou/ Basta de tanto calabouço, é hora de alforria/ Um novo tempo, que fora e dentro/ Nos faça resgatar uma besta alegria". E Saturno fica contente, está em seu jubilo, se sente bem na prisão, reconhece os esforços, as recopensas, o amadurecimento da Lua.
Depois de tudo Saturno autoriza a "Matriz", assina, reconhece firma e deixa passar. A Lua caminha, chega no Ascendente e faz quadratura com o Sol nas primeiras 24 horas, e assim o disco se encerra com a faixa "Sol Quadrado" (Pitty). "Bom mesmo é achar que a gente só passa pelo que tem que passar", respira a Lua aliviada enquanto ilumina o Ascendente. "Eu vim de lá e agora eu posso voltar".