MAPA ASTRAL
Filme Lavoura Arcaica
Luiz Fernando Carvalho
O Mapa Astral do filme "Lavoura Arcaica", dirigido por Luiz Fernando Carvalho, pode ser lido de diversas maneiras. O Ascendente, que testemunha sobre a natureza de um evento, estava a 15ºde Libra na hora em que o filme foi exibido publicamente pela primeira vez, no Festival de Cinema do Mundo, em Montreal, no Canadá.
Vênus, regente de Libra, é o planeta da beleza, da harmonia, da justiça, das artes e também dos relacionamentos. Vênus está no Meio do Céu do mapa da "Lavoura", no signo de Câncer, assim como Júpiter. O Meio do Céu é nosso rumo, é para onde estamos indo, o que fazemos da vida, originalmente, a Casa "dos feitos do rei". Antes de entrar na história que o filme conta, podemos observar o balançar constante entre luz e sombra, a direção de arte de Walter Carvalho a serviço do olhar poético e preciso do diretor são alguns trunfos desse filme, que também traz uma proposta de grande cinema, um cinema de encher a tela com exuberância, juntando texto, direção de arte, elenco e trilha sonora, algo muito além do "lugar-comum", uma exaltação da beleza, como Júpiter exaltado em Câncer. Vênus em Câncer está em trígono com a Lua em Escorpião, da obsessão de Luiz Fernando em fazer o filme que imaginou e do processo profundo de construí-lo, e em sextil com o Sol e Mercúrio em Virgem, de cada detalhe, técnico e artístico. O Sol está a 17 de Mercúrio, portanto no dia do nascimento de "Lavoura Arcaica", o Sol nasceu anunciando Mercúrio, que vinha numa distância suficiente para ser iluminado, mas longe o bastante para não ser queimado pelos raios do Sol. A este fenômeno é dado o nome de "Posição Heliacal" e faz com que Mercúrio pegue para si a narrativa do mapa, principalmente um Mercúrio domiciliado como esse. O filme foi criado em torno do livro homônimo de Raduan Nassar, a palavra escrita é o princípio de tudo. No making of, Luiz Fernando comenta: "Quando peguei o texto do Raduan, percebi que era uma ópera. Eu falei: isso aqui precisa ser dito, a palavra aqui vai ter um valor muito grande, mas vai ter que ser alçada a outros enunciados, metáforas, um jogo sensório da palavra que precisa ser alcançado. Vou precisar de um método para fazer os atores reagirem àquilo. Escolhi o método Artaud, não tem memória, tem o aqui e agora". Sol/Mercúrio em Virgo, ótimo para criação de métodos, Lua em queda, sem memória. Estão na Casa 12.
Além da Casa 12, do que não vemos, da solidão, dos excluídos, ser habitada pelo personagem principal (já falaremos sobre ele) também trata do processo de feitura do filme; o elenco passou 4 meses na fazenda, experimentando a vida de seus personagens, passando por períodos de silêncio, trabalhando na terra, entrando em contato com seus próprios vazios. O ator Raul Cortez conta no making of que chegou a desistir em dado momento, que sua cena não estava funcionando. Saiu da sala, decidido a parar o filme, mas aí recebeu uma carta (Sol/Mercúrio em Virgem) de Luiz Fernando o convencendo a continuar. Interpretando o pai autoritário, Cortez acabou "visitando" seu próprio pai, com quem não tinha uma boa relação. Vênus/Júpiter em Câncer, um mergulho na vida familiar em trígono a Lua em Escorpião, as resiliências, a sobrevivência e o Sol/Mercúrio, a perfeição. Direto da Casa 12, o desconhecido.
Voltando ao Meio do Céu do mapa, ele está em Câncer, é um filme que fala sobre uma família, suas tradições e um incesto. Nesse ponto de destaque do mapa está a Vênus, significadora natural da mãe ("uma anomalia pela carga de afeto") e regente de duas Casas que são assuntos fundamentais do filme; o protagonista André (represententado por Vênus, regente do Ascendente) e a Casa 8 (que abre em Touro, signo também regido por Vênus) que trata angústias, medos, pânico, morte. Em Câncer também está Júpiter exaltado e assim são exaltados os assuntos das Casas que ele rege; os irmãos (Casa 3), especialmente Ana e Pedro, e o trabalho (Casa 6), a lavoura. Todos tinham funções na casa desde crianças, muitas vezes parecendo empregados do pai. O pai é representado por Saturno em Gêmeos, regente da Casa 4, trígono ao Ascendente em Libra, que lhe dá exaltação. É Saturno quem recita última frase do filme: "Só a justa medida do tempo, dá a justa natureza das coisas".
O filme começa no Ascendente em Libra. Vênus, regente de Libra, está em Câncer, no Meio do Céu, em trígono com a Lua em Escorpião. André, o protagonista, teve relações sexuais com a irmã e fugiu de casa perturbado. Nessa primeira cena ele está se masturbando, perdido em suas lembranças. O Meio do Céu representa nosso rumo na vida, e André foi cuidar do seu. A Vênus em Câncer, ou seja, ele está mergulhado nas questões familiares em trígono a Lua em queda em Escorpião, angustiado, no fundo do poço, tentando sobreviver a tantos sentimentos distintos.
Em seguida chega Pedro, seu irmão mais velho. Uma conversa, um assunto da Balança. Uma conversa tensa, de Lua em Escorpião. Pedro é representado por Júpiter, regente da Casa 3 (Casa dos Irmãos) e lá está Júpiter no alto do Mapa, indo atrás da Vênus (André). A Lua, o significador da passagem do tempo, chega em Sagitário. Pedro diz que quer levá-lo de volta.
Já a 0ºde Sagitário a Lua quadra Sol/Mercúrio em Virgem, na Casa 12. André começa a falar sobre seu estado e sobre Ana. "Era Ana, Pedro. Ana minha fome, Ana minha enfermidade, ela minha loucura, ela meu respiro, minha lâmina, ela meu arrepio, meu sopro, meu assédio". Ana é a Casa 7 de André, a Casa dos Relacionamentos, que abre em Áries, o signo do Carneiro. Marte, seu regente, está em Sagitário, na Casa 3, a Casa dos irmãos. Juntos, eles viviam dias de alegria e liberdade na fazenda, trabalhando na lavoura, ordenhando as ovelhas, os próprios carneiros, que aparecem com Ana em tantas cenas do filme. Marte olha o Ascendente por sextil, Ana e Pedro se olham desde crianças. Quando a Lua fez aspecto exato com o Ascendente, um tempo antes da primeira cena do filme, enfim eles tiveram relações sexuais. Em seguida, com a Lua na Via Combusta, a partir de 15ºde Libra, ela chora e reza em silêncio como manda Sagitário e ele, desgovernado, foge de casa.
Na pensão, André continua seu discurso verborrágico, de Sol e Mercúrio em Virgem, sempre ligado nos detalhes e transbordando Casa 12: "Era eu o irmão acometido, eu, o irmão exasperado, eu, o irmão de cheiro virulento, eu, que tinha na pele a gosma de tantas lesmas, a baba derramada do demo". Vênus em Câncer, chora no meio, pede colo ao irmão. "Me traga logo, Pedro, me traga logo a bacia dos nossos banhos de meninos, a água morna, o sabão de cinza, a bucha crespa, a toalha branca e felpuda. Me enrole nela, me enrole nos teus braços, enxugue meus cabelos transtornados, escorra depois com ternura a tua mão grave na minha nuca. É isso o que compete a você, Pedro, a você que abriu primeiro a mãe, a você que foi brindado com a santidade de irmão primogênito” (Júpiter em Câncer). Pedro fica em silêncio, o narrador/protagonista reflete, descrevendo com perfeição, Júpiter em Câncer regendo a Casa 3: "Vi que meu irmão cobria o rosto com as mãos, estava claro que ele tateava à procura de um bordão, buscava com certeza a terra sólida e dura, eu podia até escutar seus gemidos gritando por socorro. Mas vendo-lhe a postura profundamente súbita e quieta, era o meu pai. Me ocorreu também que era talvez num exercício de paciência que ele se recolhia, consultando no escuro os textos dos mais velhos, a página nobre e ancestral. Mas na corrente do meu transe já não contava a sua dor misturada ao respeito pela letra dos antigos. Eu tinha de gritar em furor que a minha loucura era mais sábia que a sabedoria do pai, que a minha enfermidade me era mais conforme que a saúde da família" - lutava André com seus pensamentos.
A Lua, que faz o percurso do Mapa, chega ao 1 de Sagitário, a Casa 3, quadrando o Sol, também significador de Ana, regente da Casa 7 por exaltação. Pedro consegue levar André para casa, levar André para a Casa 3, para a irmã. Outro testemunho desse movimento de volta é pensarmos que se André é Vênus e Vênus está na Casa 10, a terceira Casa a partir da Vênus (a partir do André), das locomoções e dos irmãos, é a Casa 12, com Sol e Mercúrio, portanto também trata da viagem de trem e do encontro com Ana, uma vez que o Sol é regente da Casa 7 por exaltação. E, nesse caso, a Casa 5, das paixões, abre em Escorpião, também regido por Marte, a irmã. E lá está a Lua e seu envolvimento perigoso, arriscado, mortal.
Saturno, o pai, o regente da Casa 4, está em Gêmeos, que dá exílio a Júpiter, significador dos irmãos, exilados por ele. O pai está na Casa 9, em trígono com o Ascendente, colocando sua autoridade no alto do Mapa. Gêmeos rege a Casa 9 e a Casa 12. O pai tem um discurso religioso castrador, dizia as "verdades" diariamente na mesa das refeições, os famosos "sermões do pai", como se ele mesmo fosse um Deus a ser seguido e que estava sempre enaltecendo a importância da família sem imaginar o que poderia ocorrer na intimidade. Alguns trechos dos sermões do pai são: "É só através da família que cada um em casa há de aumentar sua existência", "O mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio", "Ninguém em nossa casa há de cruzar os braços quando há terra para lavrar, quando existe parede para erguer, quando existe o irmão para socorrer" e "onde estiver um, há de estar o outro irmão também", numa involuntária referência a Estrela Fixa Castor, o Gêmeo do Norte (a dois graus do MC). Castor e Pollux, o Gêmeo do Sul, são dois irmãos que estão sempre juntos, como Ana e André, as partes feminina e masculina de um mesmo tipo de afeto.
De volta para casa, a Lua em Sagitário quadra Saturno (o pai); André e o pai tentam, em vão, ter um diálogo. Discutem, André se desculpa. A Lua faz aspecto partil com Mercúrio, regente da Casa 9, e o pai manda organizar uma festa típica para comemorar o retorno de André.
A Lua vai se aproximando de Marte, Ana. A Lua está em Sagitário, na Casa 1 da Ana e quadrando o Sol, seu outro significador. Ela, que está em silêncio desde que o irmão partiu, se veste de forma provocante na festa, usando acessórios de prostitutas, que André guardava numa caixa. Como se desse um basta na Casa 12, onde não aguenta mais viver, experimentando uma liberdade que não era permitida, desafiando os irmãos e vizinhos, ela dança de forma provocante na frente de todos. A mãe as irmãs tentam contê-la, mas ninguém para Marte em Sagitário.
Pedro, o irmão mais velho, corre para pedir ajuda ao pai e conta sobre o relacionamento incestuoso dos irmãos. O pai, a Casa 4 abrindo em Capricórnio, Marte seu regente por exaltação na casa 3, dos irmãos, de Ana. A Lua, regente por exaltação da Casa 8 traz a Morte. A morte de Ana (Marte), pelo pai (Marte).
Silêncio. A Lua chega em seu exílio, Capricórnio, na Casa 4, a Casa da família e do pai. Este precisa mostrar autoridade.
A Lua chega na Parte da Fortuna, a essência do mapa, na casa das origens. Falando sobre as Partes Arábicas, pontos reflexos dos significados da narrativa, a parte de Nêmesis, que trata da desmesura, de cortar o mal pela raiz, está em Touro, justamente na Casa 8, da morte. Como se a morte restabelecesse a harmonia na família, fosse um tributo a ser pago. Além de reger Nêmesis, Vênus também governa a Parte de Eros, o amor, que está em Libra, bem no Ascendente. Amor e morte andam juntos em "Lavoura Arcaica". Nêmesis é o peso de Saturno, significador do pai e da Fortuna e é ele mesmo quem paga o tributo matando a filha. A Parte do Espírito, o vir a ser, está em Câncer, no MC; a família em primeiro lugar mesmo que os irmãos Castor e Pollux sejam sacrificados. "Lavoura Arcaica" é sobre isso, sobre amor que é punido, sobre tributos que se paga a Saturno, a Cronos, ao tempo.
O filme termina e, enquanto os créditos sobem na tela, podemos escutar um trecho de sermão do pai, remetendo à essência do longa-metragem. "O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é, contudo, nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; rico não é o homem que coleciona e se pesa num amontoado de moedas, nem aquele, devasso, que estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não se rebelando contra o seu curso, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não sua ira; o equilíbrio da vida está essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas." Assim conclui Saturno, narrador da carta, regente do pai.
Eu sou Mariana Candeias (@magaastrologica) e sou apaixonada por esse filme, na época do lançamento assisti 7 vezes em menos de três meses. Uma honra estrear aqui com ele. Agradeço ao João, Rafa e Analu por abrirem tantas janelas no quarto de minha pensão.